segunda-feira, 22 de março de 2010

falando em gente que aproveita de seu talento: texto (excelente) de MARIANA LIOTO

do blog: http://marideias.zip.net/

Táxi-sardinha
CRÔNICA
Táxi-sardinha

MARIANA LIOTO (Texto Publicado em 28/05/2009 na Gazeta do Paraná)

O bonde lotado já foi inspiração para o poeta. Já disse o Drummond, ao olhar que...
“O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna meu Deus,
pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada”
Hoje, décadas depois, foram-se os bondes, e é o ônibus, igualmente cheio de pernas que serve de inspiração, não para poeta, mas para o jornalismo. Quando tomei o ônibus, (daqueles normais, não articulados) na Rua Paraná, na altura do Super Muffato, a regra era “quem sentou, sentou. Quem não sentou não senta mais”. Engana-se quem pensa que a maior densidade de acadêmicos por metro quadrado seja nas faculdades: por lá 40 ou 50 deles dividem uma sala de pelo menos 50 metros quadrados, com janelas e, às vezes, até um ar condicionado. A maior densidade de acadêmicos por metro quadrado registrada, na verdade, é no ônibus que leva os estudantes até as instituições. São poucas linhas que vão para o Santa Cruz, onde fica a Univel, por exemplo. Se perder o ônibus, o estudante não tem outra alternativa para chegar a tempo de responder o “presente” para o professor. E nessa ânsia que todos têm de chegar às 19h10, 50, 60, 70 estudantes dividem o escasso espaço do ônibus.
Aqueles que vieram já do Terminal Leste, e tiveram a sorte de sentar, vão aproveitando o tempo para ler algum texto no chacoalhar da lotação. Outros deixam a cabeça recostar-se no vidro tentando descansar um pouco. Boa parte dos estudantes que optam pelo período noturno trabalha o dia inteiro. Os que vão em pé se seguram como podem: bolsa pesada a tiracolo, esbarrões a cada acelera-e-freia, calor, falta espaço até para as mãos que tentam se segurar. Isso não é exatamente o que eles chamariam de conforto, mas como não há outra opção é “mãos alto!, segurem-se onde puder”. A vantagem é que não há espaço nem para cair.
A coisa deve piorar agora que o ônibus está chegando na altura da biblioteca municipal. Só nesse ponto 11 moças entram. “Dá uma licencinha?”, pede uma. “Licencinha pra onde moça?”, deve ter pensado o rapaz que se espremeu contra o outro da frente, para tentar dar passagem, logo depois da roleta.
Hoje o ônibus não está muito cheio, comentam. Quando tudo fica entupido, entupido-muito-cheio-mesmo, sem condição de que mais pessoas entrem, o ônibus deixa de pegar mais passageiros. Não por opção ou respeito por quem se espreme, só porque não cabe mesmo. Para chegar nessa condição, segundo o cobrador, mais de 80 pessoas ocupam o carro. Se cada uma paga R$ 2,20 pela viagem, esse é um táxi bem caro.
Poucos grupinhos de conversa se formam, até porque se o seu colega estiver do outro lado do ônibus, chegar até lá é impossível.
Ali na Praça da Bíblia os estudantes olham de cima - mas sem sentir qualquer superioridade - os outros estudantes que seguem para a faculdade de carro.
Quando as portas de abrem no terminal, algumas pernas descem a escada, elas estavam só pegando carona mesmo, não vão para a faculdade. No entanto, outras pernas já espremem perto da porta, quem entrar primeiro pode conseguir um lugar um pouquinho melhor. Sobem.
Até a faculdade é mais uns 4 quilômetros de aperto. Já nem reclamam mais, não tem jeito mesmo. O fato é que centenas de pessoas desejam chegar na mesma hora e no mesmo lugar, querem até pagar por isso. O tempo da viagem, não tão agradável, foi de 30 minutos, amanhã tudo deve se repetir, até que alguém que tenha “o poder da caneta” olhe para o ônibus cheio de pernas. Porque tanto aperto pode até ser poético, mas diante do desconforto, quem se preocupa com poesia?

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