sábado, 24 de abril de 2010

Piratas e conquistadores (ALDO PEREIRA)

No aniversário do "descobrimento do Brasil" (22 de abril, sabiam né?) muitas coisas deveriam ter sido (E DEVEM SER) refletidas. Pedro A.Cabral foi um mocinho ou um político que convenceu sua tripulação de uma idéia maluca, como na Alemanha convenceu Hitler seu povo de que eram a raça "ariana" e todo o resto não prestava? Penso na história do Brasil com a escravização do corpo e alma (missões jesuíticas) de índios e africanos como um genocídio tão ou mais grave do que o da história da 2ª Guerra Mundial.
Pra saber mais - leiam Darcy Ribeiro ( O POVO BRASILEIRO).

Antes tarde do que mais tarde. Nunca soa forte demais. Vamos mudar agora e tentar fazer um novo fim, já que não dá pra mudar o passado?

Beijos, com muita PAZ (a interior) pra que na convivência exterior consigamos também essa tão sonhada PAZ. (que não se percebe o quanto esforço é necessário para que ela exista, e principalmente RESISTA entre nós, humanos, racionais, mas falhos.)
Perfeição nem existe mesmo. É só um conceito criado por quem quer deter o poder...


Boa leitura de sábado, amigos:



Piratas e conquistadores
ALDO PEREIRA

No século 16, países europeus que exploravam riquezas da América reprimiam com rigor a ação de piratas baseados em ilhas e costas continentais do Caribe: execução sumária ou condenação à forca.
À primeira vista, história de mocinhos e bandidos - ou seria de bandidos e bandidos?
Logo após ter descoberto o que supunha ser a Índia, Cristóvão Colombo (1451-1506) estabeleceu modelo de conduta para "los conquistadores": tortura sistemática de nativos para obter deles "segredos" de minas e garimpos de ouro, bem como para escravizá-los na extração e refino do minério. A recalcitrantes, espada civilizadora finamente forjada em Toledo.
De sua parte, a Marinha britânica, ocupada então com tráfico de escravos africanos, comissionou "privateers" (navios corsários) para pirataria seletiva contra galeões espanhóis carregados desse ouro.
Frances Drake (1540-1596) e Henry Morgan (1635-1688), célebres corsários, receberiam pela patriótica missão o título honorífico de "sir".
A distinção entre piratas, conquistadores e corsários continua ambígua. Sem explicitar nomes, o principal executivo da UMG (Universal Music Group) vocifera contra engenhocas do tipo iPod: "Repositórios de música roubada!".
Também se têm visto e ouvido na mídia proclamações de que baixar, copiar ou comprar músicas e programas sem pagar royalties é "pirataria".
Com a forca fora de moda, detentores de "propriedade intelectual" reclamam ao menos cadeia para "piratas".
"Propriedade intelectual" é campo de disputa em que convergem três interesses legítimos e interdependentes, mas conflitantes: 1) o dos autores, sem os quais não teríamos inovação e avanço na cultura; 2) o de firmas como editoras, gravadoras e programadoras, que assumem riscos lotéricos de produção, distribuição e promoção (em média, dos mais de 40 livros que a Random House edita por semana, 35 dão prejuízo ou lucro zero); e 3) o direito público à liberdade de expressão, ao saber e ao cultivo do espírito pela arte.
Sem esse terceiro direito, a vida cultural estagnaria, porque se realimenta do que ela própria produz. Nenhuma criação é absolutamente original, mas produto da tradição cultural do meio em que o autor se forma.
Por isso, direito autoral deveria constituir não propriedade, mas apenas licença de usufruto econômico exclusivo durante certo prazo, como a concedida a patentes. Em criações de pessoa física, tal licença poderia ser vitalícia, embora não hereditária.
O que tem ocorrido, porém, é progressiva usurpação do direito público em favor da "propriedade intelectual", sobretudo corporativa. Isto é, acumulação de privilégios desfrutados por cartéis e outros grupos que em geral os têm obtido pelo suborno sistemático de legisladores e burocratas, prática mais elegantemente referida como lobby ("antessala").
No reinado de Pedro 1º, toda obra literária caía em domínio público dez anos após a publicação. O regime republicano dilatou o privilégio para 50 anos contados do 1º de janeiro subsequente à morte do autor (Lei Medeiros e Albuquerque, nº 496, de 1898). Esse prazo é hoje de 70 anos.
Todas as mudanças legais introduzidas desde 1898 têm ampliado o direito individual e corporativo de exploração econômica das obras à custa de progressiva restrição do domínio público, isto é, em prejuízo da dimensão social da cultura.
A involução legal brasileira reflete a globalização dos mercados da "propriedade intelectual".
Acordos e convenções que conferem direito proprietário de corporações a criações culturais têm sido extorquidos a governantes covardes e/ou venais do mundo subdesenvolvido, estratégia que se completa pelo citado suborno legislativo. Colonialismo por outros meios.
O abuso é mais nítido na exploração autoral póstuma, onde o Congresso americano, creia, tem-se mostrado ainda mais venal que o brasileiro. Segundo Lawrence Lessig, professor de direito da Universidade Stanford, à medida que o camundongo Mickey envelhece e se arrisca a cair em domínio público, o lobby da Walt Disney obtém mais alguns anos de sobrevida para o respectivo "copyright".
Em 1998, o Congresso dos EUA estendeu a proteção póstuma a 95 anos: no caso de Mickey, até 2061. Lessig enumera 11 extensões semelhantes concedidas nos últimos 40 anos em favor da indústria de som e imagem.
Nesse drama, decerto lhe seria difícil escolher entre o papel de conquistador e o de pirata. Resigne-se, então, ao do submisso e espoliado nativo.

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