sábado, 1 de maio de 2010

Beijo multimídia

Por: Fabrício Carpinejar - quarta-feira (TWITTER @carpinejar)
FONTE: http://vidabreve.com/uncategorized/1267

Amor ensina o óbvio. É o que eu mais gosto de aprender.

Nem sempre mereço atenção. As crianças têm o direito de serem tolas, por isso são mais sábias.

Minha namorada narrava as diferenças entre o Playstation e o Nintendo Wii e mencionou a expressão device. Eu nunca descobri o significado. No passado, utilizei o termo pela intuição, coitado de quem me ouviu.

— O que é?

— Está brincando?

— Não sei, o que é?

— Para de gozação!

Admiti que conhecia, pois estava ficando chato. Já me sentia um ignorante. Como desconheço device aos 37 anos? Como?

Ela anteviu que tirava sarro dela, que me fingia de burro para que explicasse à toa. Como ninguém quer ser idiota, fica complicado salvar a idiotice alheia.

Eu era burro mesmo. Tentei resolver essa lacuna e abrir espaço para outras ignorâncias. Confesso que careci de coragem para teimar e imprimi uma risada apaziguadora. Soou como brincadeira.

O que me arrebata é a chance de ser puro. Como muitos juram que sou malandro e maquiavélico, arriado e abusado, dificilmente alguém confia na minha limitação. A curiosidade sofre os efeitos colaterais da reputação e não recebe reforço.

De vez em quando, Cínthya esquece quem eu sou para me amar mais. E é minha melhor professora.

Teimei em entrar com uma ameixa em seu carro. Vermelha, lustrosa, com todo o verão dentro. Estávamos atrasados. Costumo comê-la com o rosto inclinado ao chão para derramar o prejuízo no tapete dos pés. Não estudei como destroçaria a fruta em seu carro. Sentei no impulso, traindo minha atitude selvagem e desprezando o encolhimento do espaço.

Dei uma mordida e o sumo escorreu para a calça; ela olhando, limpei. Na segunda investida, já de pernas abertas, o líquido infestou o banco; ela olhando, disfarcei. Quando consegui espirrar no vidro, ela interferiu na operação, não havia como se manter distante. Ou falava ou seu twingo se transformava num liquidificador:

— Vem cá, por que não chupa ao morder?

— Chupar ao morder? Posso?

— Claro, depois que larga os dentes, chupa.

Ela aceitou meu despreparo e contornou o caroço e mordeu e chupou perfeitamente. Engoliu a lasca e o suco. Vi que podia. Pena que não tinha mais ameixas para exercitar.

— Onde aprendeu?

— Em Constantina, sou campeã para não me sujar.

Ainda não perguntei sobre os efeitos colaterais dessa aula. Mas não duvido que não tenha influenciado até minha forma de beijá-la.

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