quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Aos estudantes de medicina (DRAUZIO VARELLA)

Na coluna de hoje vou resumir as lições mais importantes que aprendi em 40 anos de atividade clínica.
Na verdade, a ideia de reuni-las surgiu semanas atrás, quando o diretor Wolf Maya me convidou para fazer uma pequena palestra para atrizes e atores que interpretavam papéis de estudantes de medicina numa cena da novela das nove.
"Haverá uma classe com alunos e nenhuma dramaturgia, diga o que quiser", propôs ele. Hesitei diante do convite inusitado, mas no fim achei que seria uma boa oportunidade para dizer aos alunos: 1) Tenham sempre em mente que encontrarão mais dificuldade para receber os cuidados de vocês, justamente as pessoas que mais necessitarão deles.
O médico deve lutar por condições dignas de trabalho e por remuneração condizente com as exigências do exercício profissional, mas sem esquecer de cobrar da sociedade o acesso universal dos brasileiros ao sistema de saúde.
2) É fundamental ouvir as queixas dos doentes. Sem escutá-las com atenção, como descobrir o mal que os aflige?
Embora as características do atendimento em ambulatórios, hospitais e unidades de saúde criem restrições de tempo, cabe a nós exigir para cada consulta a duração mínima que nos permita recolher as informações imprescindíveis.
Com a prática vocês verão que ficará mais fácil, porque aprenderão a orientar o interrogatório, especialmente no caso de pessoas prolixas e pouco objetivas. O desconhecimento da história e da evolução da enfermidade é causa de erros graves.
3) Medicina se faz com as mãos. Os exames laboratoriais e as imagens radiológicas ajudam bastante, mas não substituem o exame físico.
Esse ensinamento dos tempos de Hipócrates deve ser repetido à exaustão, porque a tendência do ensino nas faculdades tem sido a ênfase nos exames subsidiários em prejuízo da palpação, da ausculta e da observação atenta aos sinais que o corpo emite.
Como consequência, cada vez são mais frequentes as queixas de que o médico pediu e analisou os exames e preencheu a prescrição sem chegar perto do doente.
Não culpem a falta de tempo nem tenham preguiça, em cinco minutos é possível fazer um exame físico razoável. Tocar o corpo do outro faz parte dos fundamentos de nossa profissão.
4) Procurem colocar-se na pele da pessoa enferma. Quanto mais empatia houver, mais fácil será compreender suas angústias, seus desejos e seu modo de encarar a vida.
Não cabe ao médico fazer julgamentos morais, impor soluções nem decidir por ela, mas orientá-la para encontrar o caminho que mais atenda suas necessidades.
5) Medicina é profissão para quem gosta muito. Exige do estudante bem mais do que as outras: seis anos de graduação, dos quais os dois últimos são dedicados ao internato, que não por acaso recebeu esse nome.
Depois vem a residência, com três, quatro e até cinco anos de duração. O dia inteiro nos hospitais públicos, os plantões de 24 horas, as jornadas intermináveis.
É a única profissão que obriga o trabalhador a cumprir horários que a abolição da escravatura eliminou.
Por exemplo, trabalhar o dia inteiro, entrar no plantão noturno e emendar o expediente do dia seguinte; trinta e seis horas sem dormir.
Existe outra categoria de profissionais em que essa prática desumana faça parte da rotina?
Se o exercício da medicina já é árduo para os apaixonados por ela, é possível que se torne insuportável para os demais.
Se vocês escolheram segui-la apenas em busca de reconhecimento social ou recompensa financeira, estão no caminho errado, existem opções menos sacrificadoras e bem mais vantajosas.
6) Medicina é para quem pretende estudar a vida inteira. É para gente curiosa que tem fascínio pelo funcionamento do corpo humano e quer aprender como ele reage às diversas circunstâncias que se apresentam.
O médico que não estuda é mais do que irresponsável, coloca em risco a vida alheia.
7) Finalmente, para que foi criada a medicina? Qual a função desse ofício que resiste à passagem dos séculos?
Embora a arte de curar encante os jovens e encha de prazer os mais experientes, não é esse o papel mais importante do médico. É interminável a lista de doenças que não sabemos curar.
A finalidade primordial de nossa profissão é aliviar o sofrimento humano.

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